Como ser Desempregada (o)

Aviso: Este texto não é escrito de uma perspetiva de privilégio, nem é suposto ser crítica aos desempregados do nosso país; essa, é uma situação com demasiadas vertentes diferentes para se poder criticar diretamente. 

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Este ano comecei o meu Mestrado de Educação Artística, na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Como em qualquer outra inscrição que se faça, há uma data de campos para preencher, muita informação que se dá à instituição, e que eu tenho dúvidas que será alguma vez utilizada; como por exemplo, o nome e profissão do Pai e da Mãe. 
Presumo que tenha a ver com estatísticas ou algo do género, e numa era em que o RGPD está sempre à espreita no rodapé de qualquer formulário, não deixou de me incomodar.

Mas, pensei eu, quantas vezes é que já pus a bolinha no “Aceito os Termos e condições” sem sequer os ler? É mais ou menos como a vacina do COVID: os benefícios superam os prejuízos. Então, se os senhores políticos podem usar este argumento, porque não hei-de eu poder? 

Não estou a apontar dedos, somos todos adultos, e cada um toma as suas decisões, da maneira que melhor entender. Sempre me pareceu foi um bocadinho frio, tendo em conta que estamos a falar de vidas humanas. Mas essa é uma tangente para um outro dia.

Chegada à parte em que deveria preencher os meus dados profissionais, fico sempre a fazer “tilt” enquanto penso nestes dois conceitos:

Eu SOU desempregada, ou ESTOU desempregada?

Cada um tem a sua história de vida, os seus motivos, e as suas crenças, e nesta casa, eu só posso falar por mim: uma miúda de classe média, que teve uma infância com boas condições, fez a sua escolaridade toda seguida, até terminar a licenciatura; e depois, aceitou um trabalho num banco que era suposto ser só de Verão, mas que afinal durou por 14 anos. A palavra “desemprego” nunca fui nuvem negra a pairar sobre a minha cabeça, nem da dos meus Pais. Facto pelo qual, sou imensamente grata, principalmente agora que eu e ela somos (ou, devíamos ser) melhores amigas. 

O meu desemprego, foi auto-infligido: depois de uma gravidez, e um pós parto, marcados por uma depressão severa, depois de alguns meses de regresso ao trabalho (e fi-lo demasiado cedo, porque o “estar de baixa” também me dava fornicoques…), tive a descomunal coragem de deixar o trabalho com o qual eu já me identificava, e cujo esforço por ficar e me adaptar, fazia um buraco cada vez maior na minha saúde mental.

Faz quase um ano que, antes de anunciar à minha família e amigos que estava oficialmente fora da empresa, comecei a “treinar” o meu discurso para quem me perguntasse o que ia agora fazer agora com a minha vida; e enquanto convencia os outros, também convencia a Margarida pequenina que gritava em pânico dentro de mim. Foram DEZENAS de vezes que o repeti.

Eu estava aterrorizada, mas sabia muito bem o que ia fazer: dar corda aos bracinhos, estudar, e fazer BUÉ arte. Explorar o mundo da arte e da educação, e eventualmente, encontrar um rumo (ou vários), que me permitissem deixar de estar desempregada. Estar desempregada, ou ser desempregada? Lá está o tal busílis da questão…

Transformei o meu sótão num estúdio, o meu querido Esposo fez-me um cavalete DIY, arranjei um estirador em 4ª mão, e lá estava ela pronta para pegar nos pincéis e ser artista.

E agora? 

Ui ui, agora é que são elas! Quando leio as minhas páginas de diário dessa altura, sinto um misto de tristeza e de emoção; escrevi que, passava manhãs, tardes, ou dias inteiros no estúdio, e nem um tubinho de tinta era aberto nesse tempo todo. Cancelei todos os workshops, porque a energia para isso simplesmente não existia; deixei de parte todos os projetos que havia idealizado, e limitei-me só a existir.

Sentia um pânico absoluto, todas as células do meu corpo me bloqueavam, como que a ecoar aquilo que me foi dito ao longo dos anos, e em que eu própria acreditava: “A ARTE NÃO PAGA CONTAS.”

Desde o momento em que, uma Margarida adolescente rebelde disse aos pais que ia escolher o agrupamento de Artes no secundário, até ao momento em que escolhi as minhas opções no concurso ao ensino superior, vai uma gigante distância.

E não falo só do tempo em si, mas também de mim própria: encolhi-me, resignei-me, aceitei que a carreira artística não era possível para mim, e essa crença passou a fazer parte de mim. Adorava Design de Moda, mas não tinha média para isso; e o terror de fazer a escolha errada apoderou-se de mim.

Não querendo “largar” as artes por completo, optei pela via da educação. Eu sempre fui péssima a tomar decisões, e definir prioridades! Tudo gritava ao mesmo tempo para mim; e no meio de tanto ruído, tornou-se difícil escolher o que era melhor para mim, e não o que os outros achavam que seria.

Não me arrependo nem um pouco dessa escolha, que já me trouxe tantas felicidades; mas infelizmente, o mundo do ensino estava muito coxo nessa altura. A minha turma, no ano em que nos licenciámos, foi a última desse curso a ser lecionada na Escola Superior de Educação de Setúbal. E as colocações, essas, eram longínquas e parciais, e não permitiam à Margarida de 23 anos, viver a vida adulta que tanto almejava. Entra, o reforço de verão numa instituição de referência, e o resto da história já vocês sabem.

Só muitos meses depois de deixar o trabalho, lentamente, lutando contra mim própria e aprendendo a viver com a minha ansiedade incapacitante e outras questões de saúde que entretanto apareceram, é que aos pouquinhos, fui fazendo mais.

Fui desenhando mais, pintando mais, e comecei a evoluir artisticamente a uma velocidade estonteante. E depois re-descobri os sketchbooks, os meus ricos cadernos, e a terapia que era registar todas as ideias loucas que dançavam na minha cabeça ao mesmo tempo, em forma de desenhos, porque se tivesse que os pôr por palavras, não saberia o que escrever. Deixei de pôr TODA a gente à minha volta primeiro, a casa, a roupa, os filhos, o marido, para passar a escolher-me a mim.

E somos todos mais felizes, por causa dessa escolha.

A ambição pela carreira de ilustração renasceu, e com ela, os planos para a pôr em prática. Todas as aprendizagens que já fiz pelo caminho, que muitas vezes aconteceram apenas pela minha implacável necessidade de me mandar de cabeça pra coisas novas, contribuíram para que, aos poucos ,fosse percebendo o que não quero, e para me pôr mais próxima daquilo que eu realmente quero.

E isso é o quê, perguntas tu? Ainda não sei bem. Cheguei à conclusão que, vivemos num mundo cheio de incertezas, e de novidades constantes; as ideias de segurança laboral com que fui educada já não existem, e quaisquer ilusões de estabilidade para a vida inteira, não passam disso mesmo: ilusões.

Felizmente, isso abre caminho para outro fenómeno fabuloso: a possibilidade de criar as minhas próprias oportunidades, nos meus próprios termos. De criar um “emprego” à minha medida. Mesmo tentando ainda acalmar, a Margarida pequenina que de vez em quando grita aqui dentro em grande pânico, porque “a arte não paga contas”; e repetindo vezes e vezes sem conta aos outros à minha volta (e a mim própria) que,

Vai ficar tudo bem, e o caminho se vai apresentando conforme o vou percorrendo. É preciso é começar. 

Eu não sou definida pelo que faço, mas sim pelo que sou; e por isso sou Mãe, Esposa, Artista, Educadora, e por enquanto, **estou** (não, sou) desempregada. E quando sabemos o que somos e acreditamos em nós, o resto acontece naturalmente.

PS.: És Agente Literário/Diretor Artístico/Curador/Dono de galeria/ etc ? Sou boa moça, escrevo e pinto muito bem (ahem), tenho umas ideias um bocado loucas, que diz que se apelidam de criatividade na resolução de problemas, e ‘tou à procura de trabalho, e/ou representação. Just sayin’ !

Os workshops regressarão em breve, com cara lavada e ofertas diferentes, mais próximas do meu coração, e do que eu tenho aqui dentro que sei que é de valor, e que quero partilhar convosco.

Caraças, já é amanhã? É que eu mal posso esperar. E essa é pra mim, a melhor maneira de viver a vida (pisca o olho e faz uma saída dramática).

BEIJOSS